sexta-feira, 31 de agosto de 2012

E os Peitos Superaram os Cérebros


Segunda-feira à noite, nada de muito interessante para fazer, e a timeline do Facebook avisa que a Carolzinha adicionou duas novas fotos ao álbum “A força da sua inveja é a velocidade do meu sucesso”. Você, que não é bobo nem nada, se deixa seduzir pelos peitos tamanho 46 da Carolzinha naquela foto nova em que ela aparece de biquíni tomando sol e uma Budweiser em uma praia paradisíaca do litoral norte de São Paulo e começa a vasculhar todos os álbuns da garota. Biquinho, boca de pato, dedos em V, maquiagem carregada, salto quinze para a balada. A mão de unhas compridas e vermelhas sempre segurando um copo de caipirinha, o corpo sempre levemente inclinado para a direita, os longos e lisos cabelos loiros sempre jogados despojadamente sobre os ombros. Ela é linda, não há como negar – até eu ia na Carolzinha. Aí você começa a procurar um pouco mais de conteúdo. No mural, ela só compartilha filosofias prontas do tipo “se uma pessoa realmente gosta de você, ela corre atrás” ou “recordar é fácil para quem tem memória, dificil é esquecer”. Ainda esperançoso, você vai ao perfil dela e tenta achar algo de bacana nas opções “Curtir”. Negativo: ela só curte páginas como “Cala a boca e me beija”, “Clube da Luluzinha” e “Amar não é só dizer EU TE AMO”. Última tentativa: você checa o endereço de e-mail que ela cadastrou na rede social. Se for algo menos juvenil do que “carol_zinha18@hotmail.com”, tá valendo. Decepção: Carolzinha é “gatinhamanhosa_sk8@yahoo.com.br”.

Nada feito. Apesar de linda, gostosa e popular, Carolzinha precisa de muito arroz com feijão, farinha e pimenta malagueta para ser mulher de verdade. Longe de mim julgá-la – está para nascer ser humano mais sem moral do que esta colunista que vos escreve. Mas eu, se fosse homem, acho que não conseguiria manter uma ereção minimamente satisfatória com uma menina como a Carolzinha. E o mundo está cheio de Caroizinhas. Elas estão por todas as partes e se reproduzem como Gremlins pulverizados com água sempre que Michel Teló canta “Ai, se eu te pego” ou a cada vez que a nova temporada de Malhação lança atrizes pouquíssimo talentosas, mas de olhos azuis, seios fartos, cintura fina, lábios carnudos e cabelos platinados. Carolzinha – coitada – nada mais é do que uma vítima da sociedade contemporânea, que prega que ter peitos é mais bacana do que ter cérebro, que usar a roupa da moda é mais importante do que pagar as próprias contas, que arrumar um marido rico é mais garantia de futuro do que ler um livro.

O Thiagão é outro. Dia desses cruzei com ele num bar. Camiseta de marca, cigarro aceso desrespeitando a lei antifumo, carro do ano rebaixado e com faróis de xenon. Comentou comigo que entrou no cheque especial para bancar os juros do cartão de crédito. Cada um faz o que quer com o próprio dinheiro – livre arbítrio tá aí pra isso, e graças a Deus eu não tenho uma conta conjunta com o Thiagão. O problema é que, de uns tempos para cá, ele entrou na paranoia de ostentar pra conseguir comer mais mulher. É fato que, de alguma maneira, 85% de tudo o que a gente faz tem como objetivo direto ou indireto seduzir alguém. Você pode até praticar esportes por saúde, mas não há como negar que ter um corpo bonito é uma estratégia de sedução. Você estuda para adquirir conhecimento e galgar crescimento profissional, mas saber explicar as cinco lições freudianas da psicanálise impressiona. Para comer a sua mãe, provavelmente o seu pai usou algumas armas além do pau.

O tal jogo da sedução é muito mais antigo do que Imagem & Ação, Detetive, Cara a Cara ou qualquer outro jogo que você jogou com a tia Cotinha no pré-primário. Guiados pelo instinto, todos nós jogamos com as armas que temos ou que queremos ter, sejam elas materiais ou físicas – uma casa em Copacabana ou um bumbum empinadinho, por exemplo. Não é segredo pra ninguém que muito homem considera o carro uma extensão peniana. Via de regra, quanto menor o pinto, maior o carro – como se um mero objeto fosse capaz de satisfazer desejos sexuais, como se sentar no câmbio substituísse o prazer de sentar num bom pau. Também não é raro encontrar por aí caras que torcem o nariz quando se deparam com a possibilidade de ter uma mulher de cabelos curtos na cama. Cadê a feminilidade? – alguns se põem a perguntar, como se um simples aspecto físico fosse suficiente para determinar a leveza feminina. E de tão inseridos que estamos na lógica estúpida dos símbolos e do ter em detrimento do ser, acabamos concordando com as regras do jogo e fazendo de tudo para não ficar para trás.

Confesso: eu mesma já pensei inúmeras vezes em ceder aos apelos sociais. Até que não seria mau negócio atrasar a mensalidade da pós-graduação para investir num par de peitos de silicone, num belo cabelo pela cintura e num guarda-roupa recheado de decotes e transparências. Afinal, se eu fosse gostosa, certamente não precisaria passar tantas noites na solitária siririca. Mas aí me recordo que o homem que mais me fez feliz na vida me pagava uma passagem de ônibus, me levava para comer milho no pratinho, me chamava de “meu amor” – e tava tudo lindo. Assim mesmo, sem glamour, sem símbolos, sem disfarces. Enfim, lembro-me de que sou uma ferrenha defensora da essência, de que não tenho talento pra ser Carolzinha, de que sou feliz assim – na medida do possível. E de que essas pessoas da sala de jantar são ocupadas em nascer… e morrer*.

* Trecho de “Panis et Circensis”, dos Mutantes

Texto de: Bruna Grotti

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